“Ainda que faças uma centena de nós, a corda continuará sendo uma só.”
Parábola sufi
Parábola sufi
Os povos árabes acreditam no qaddar, uma palavra geralmente traduzida como "predestinação". Segundo este renque de pensamento, todo o ser humano terá já determinado pelo divino, à nascença, as suas características, bem assim tudo o que lhe acontece na vida. Esta crença, porém, não implica a rejeição do livre arbítrio.
A palavra árabe maktub (estava escrito!), particípio passado do verbo katb (escrever), admite a crença na inevitabilidade, no princípio de que tinha que acontecer. Com as devidas proporções, será um pouco como a locução latina post nubila febus phoebus, isto é, "depois das nuvens, o sol”, “depois da tempestade, a bonança". Será equivalente, também, a maalish, outro termo árabe que significa "não tem importância" e que reflecte a convicção no fatalismo e na inevitabilidade relativamente ao que estará já escrito nas estrelas...
De resto, esse sentimento está bem patente na forma de estar do povo árabe e na sua maneira de encarar a vida e o destino, como narra, com singularidade, aquele popular conto sobre um poderoso homem de Bagdad que, um dia, envia o seu criado ao mercado para fazer uma compra. Deambulando pelo dédalo do suq (palavra que significa "mercado" ou "bazar"), e ao desembocar numa praça, o criado depara com uma figura sombria, com ar profundamente inquietante, que o fita com um olhar intimador.
Preso de incontornável pânico, o criado desata a fugir em direção a casa. Ao chegar quase sem fôlego, conta ao patrão o sucedido, anunciando-lhe:
⏤ Vou-me já embora! Vi a "morte" que me espreitava. Irei atravessar durante a noite o deserto e refugiar-me longe, em Samarra. Fugirei agora mesmo para Samarra!
O patrão, indignado, sai porta fora com intenção de ir ao mercado tentar inverter a situação, já que não estava disposto a perder tão valioso colaborador.
Ao chegar ao suq, e depois de ter procurado um pouco, o homem não tarda em avistar a sinistra figura, recolhida num dos recantos da praça, a observar. Resolutamente, interpela-a:
⏤ Com que direito aterrorizaste, há pouco, o meu pobre criado, a ponto de ele querer deixar o meu serviço aqui em Bagdad e se preparar para fugir?!
Então a "morte" observa-o melancolicamente e responde-lhe com ar vagaroso:
⏤ Aterrorizá-lo? Eu?! Pelo contrário. Se o olhei fixamente foi apenas por causa da grande surpresa de o ter encontrado aqui, em Bagdad, quando tenho encontro marcado com ele, amanhã... em Samarra!”