Cerca de 30% da água doce disponível para uso no mundo encontra-se no subsolo, na forma de água subterrânea. Essa água está acumula...

O Aquífero Guarani

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Cerca de 30% da água doce disponível para uso no mundo encontra-se no subsolo, na forma de água subterrânea. Essa água está acumulada nos espaços vazios e fraturas que existem no solo e nas rochas. Parte das rochas é porosa e é nesses espaços onde a água subterrânea se acumula há milhares e milhares de anos. Nos solos arenosos a água se acumula facilmente. Porém, em grandes volumes de rocha, também podem se acumular enormes quantidades de água. Esse armazenamento nas rochas dependerá do material e da porosidade do solo e dos sedimentos envolvidos,
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O lençól freático (4) separa as zonas não saturadas das regiões saturadas, onde se encontram as águas subterrâneas. ▪ Fonte: Wikimedia
além das dimensões das gretas e fraturas existentes.

Denomina-se zona saturada a área onde a água é acumulada no subsolo. Seu nível superior é denominado de nível freático, o qual poderá estar a qualquer profundidade abaixo da superfície. Nas cidades litorâneas, o nível freático está normalmente bem mais próximo da superfície, principalmente no período chuvoso. Aquífero é nome que designa as áreas onde se acumulam as águas subterrâneas. Pode também ser definido como toda formação geológica com capacidade de armazenar e transmitir água e cuja exploração seja economicamente rentável. Os aquíferos podem ser definidos como livres ou confinados. Os aquíferos livres têm formação geológica permeável, estão com água parcialmente saturada e a pressão por ela exercida no nível freático é igual à pressão atmosférica. A diferença dos aquíferos confinados é que, embora tenham a mesma formação geológica permeável, a água no seu interior está completamente saturada e sua pressão é superior à atmosférica.

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Ciclo da Água ▪ Fonte: Wikimedia
O nível de água dos aquíferos varia em função da precipitação atmosférica; da extração da água subterrânea; dos efeitos das marés nas áreas costeiras; da variação súbita da pressão atmosférica, principalmente nas épocas chuvosas; das alterações do regime de escoamento de rios afluentes que os recarregam; da evaporação etc.

As águas subterrâneas sustentam diversos sistemas aquáticos como rios, lagos, mangues e pântanos e são essenciais para manutenção de florestas em regiões de clima tropical ou seco. O fluxo das águas subterrâneas impede o ingresso da água salgada marinha no continente e consequentemente, a não salinização de aquíferos costeiros.
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Os poços artesianos captam água de reservas profundas (aquíferos). ▪ Fonte: Wikimedia
Sem ela, o planeta seria muito mais seco e menos biodiverso. Estima-se que há mais de 2,5 milhões de poços tubulares no país e são responsáveis por extrair 17.580 milhões de metros cúbicos de água ao ano. A título de comparação, esse volume seria suficiente para abastecer toda a população brasileira em um ano.

O Aquífero Guarani é um reservatório de água subterrânea considerado uma das maiores bacias existentes no mundo. A água se encontra nos poros e fissuras de arenitos formados em tempos geológicos do Mesozóico (idade entre 200 a 150 milhões de anos), em geral cobertas por espessas camadas de basalto onde suas águas estão confinadas. Tem aproximadamente 37 mil quilômetros cúbicos acumulados com um processo natural renovável anual correspondente a 166 km3. A profundidade de água encontrada no seu interior varia de 50 a 1500 metros e temperaturas oscilando entre 33ºC e 65ºC. A superfície total estimada é de 1.190.000 km2. O Brasil está contemplado com 850.000 km2, Argentina com 225.000 km2, Paraguai com 70.000 km2 e Uruguai com 45.000 km2. O mapa a continuação facilita a visualização dessas áreas.

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Área detalhada do Aquífero Guarani ▪ Fonte: Gov.BR
Essa gigantesca reserva de água doce fica no subsolo do Brasil (71,4%), Argentina (18,9%), Paraguai (5,90%) e Uruguai (3,80%). No Brasil, se estende por oito estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul). O aquífero foi denominado pelo geólogo Danilo Anton em 1994, em homenagem à nação indígena Guarani, dado que abrange praticamente o domínio geográfico que foi habitado por essa civilização na época do descobrimento da América.

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Fonte: aguasdoguarani.org.br
A população que vive na área delimitada pelo Aquífero Guarani pode chegar a 24 milhões de pessoas, abrangendo mais de 500 municípios. Considerando a área de influência do aquífero, esse total pode alcançar 70 milhões de habitantes. O principal uso da água é para suprimento das pessoas, mas também é usado na indústria, irrigação agrícola e turismo termal. Em território nacional, Ribeirão Preto, no estado de São Paulo, tem cem por cento da cidade abastecida por meio do Aquífero Guarani.

Conforme pesquisa publicada na revista Science em 2021, oito por cento da superfície do nosso Planeta, correspondente a 12 milhões de quilômetros quadrados do solo terrestre, podem sofrer subsidência (movimento de descida do fundo de uma bacia de sedimentação)
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Em Maceió, Alagoas, milhares de pessoas são obrigadas a abandonar suas casas, devido afundamento do solo. ▪ Fonte: Wikimedia
até 2040, afetando mais de 635 milhões de pessoas no mundo. Esses dados foram baseados em um modelo matemático que projeta a subsidência global futura, a partir da análise das tendências de subsidência das últimas décadas, o crescimento populacional e o consequente aumento da demanda por água. Por isso, é muito importante que sejam identificadas áreas críticas a fim de evitar a contaminação e a superexploração dessas águas.

O Projeto Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Sistema Aquífero Guarani (SAG) foi iniciado em 2003 e concluído em 2007, financiado com o apoio do Banco Mundial e da OEA e bancado com recursos do Fundo para o Meio Ambiente Mundial (GEF – Global Environment Facility). O custo total entre as fases de preparação e execução do projeto foi de US$ 26,7 milhões, a metade doada pelo GEF e a outra parte como contrapartida dos governos dos quatro países. Teve a finalidade de apoiar a Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai na elaboração e implementação de um marco comum institucional, legal e técnico para a preservação dessa enorme bacia de água subterrânea para as gerações presentes e futuras.

Foram definidos no projeto sete componentes interrelacionados que deveriam situar o Aquífero Guarani em função de sua morfologia e comportamento; aproveitamento e conservação; relacionamento com as comunidades e instituições e as necessidades de planejamento e ordenamento para melhorar a gestão coordenada de suas águas. Um dos mais importantes foi o Componente 5 destinado ao desenvolvimento de medidas para a
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Gruta do Itambé, no estado de São Paulo, um dos locais de afloramento do Aquífero Guarani. ▪ Imagem: MA Esparz / Wikimedia
gestão das águas subterrâneas e para a mitigação de danos de acordo com as características da Região, em áreas críticas (hot spots).

Para a execução dos estudos previstos no Componente 5 foram eleitas quatro áreas-piloto identificadas como críticas nas cidades de Concórdia (Argentina) e Salto (Uruguai); em Itapúa (Paraguai); em Ribeirão Preto (SP, Brasil); em Rivera (Uruguai) e Santana do Livramento (RS, Brasil).

O Projeto Piloto de Concórdia e Salto desenvolveu um melhor entendimento local do comportamento SAG e ajudou a elaborar um plano de gestão conjunto das águas termais orientado a seu uso sustentável. Desta maneira, tentou mitigar os problemas transfronteiriços com relação à exploração das águas do SAG para turismo termal, em uma porção confinada do aquífero.

O Projeto Piloto de Itapúa contribuiu para o aprimoramento das políticas referentes ao inter-relacionamento água-solo-vegetação, para uma melhor gestão da água subterrânea em relação a seus possíveis usos, de maneira a proteger e administrar a demanda, avaliando as tendências na qualidade da água.

Lagoa do Saibro, em Ribeirão Preto, São Paulo, local de afloramento e recarga (recebimento natural de água) do Aquífero Guarani.

O Projeto Piloto de Ribeirão Preto permitiu revisar e atualizar informações sobre a contaminação localizada e a super explotação de águas no aquífero em área urbana e zonas de alta densidade populacional. Foram apoiadas estrategicamente as atuais atividades do governo do Brasil e do estado de São Paulo em medidas de proteção e gestão das águas subterrâneas na região.

Ribeirão Preto, estado de São Paulo, cidade abastecida integralmente com as águas subterrâneas do Aquífero Guarani.

O Projeto Piloto de Rivera e Santana do Livramento definiu a forma de avaliar a gestão e a proteção das águas subterrâneas dentro de uma porção não confinada do aquífero. Abordou também as questões cruciais em áreas de desenvolvimento agrícola e atividades rurais em crescimento, elaborando um plano de gestão conjunta entre as duas cidades.

Um ponto importante do SAG foi a elaboração da legislação que autoriza o uso (outorga) e até a cobrança da água, que já ocorre em algumas regiões no Brasil. Além disso o projeto permitiu criar modelos matemáticos que possibilitam prever o comportamento do aquífero em situações de exploração mais intensa, suscetibilidade à contaminação em áreas próximas da superfície e uso das águas termais.


Mesmo assim, a atual legislação brasileira de recursos hídricos está muito aquém do que seria preciso para sua efetiva proteção em relação às águas subterrâneas. Estudos realizados em quase todos os estados brasileiros que abrigam partes do SAG, indicaram grande descontinuidade na estruturação geológica. O fluxo das águas não é transfronteiriço, restringindo-se aos limites estaduais. No Rio Grande do Sul, as águas se infiltram e descarregam dentro do próprio estado, nas suas falhas geológicas ou então em grandes mananciais como o rio Uruguai. Os poços podem dar grandes vazões ou serem secos; em alguns locais apresentam águas boas e, em outros, águas não-potáveis.

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Aparados da Serra, Rio Grande do Sul. ▪ Imagem: G. Schüür / Wikimedia
Em recente pesquisa realizada pelos professores Scott Jasechko e Debra Perrone, ambos da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, apresenta o decaimento do volume de reservatórios subterrâneos em todo o planeta.

Essa investigação foi realizada em 1.700 aquíferos de mais de 40 países e revelou que os níveis de água subterrânea em quase metade deles caiu desde o ano 2000. Só cerca de 7% dos aquíferos inquiridos registraram aumento dos níveis durante o período. Os declínios foram mais evidentes em regiões com clima seco e muita terra cultivada para a agricultura, incluindo o Vale Central da Califórnia e a região das Planícies Altas, nos Estados Unidos. Foram encontradas ainda grandes áreas de águas subterrâneas em queda acentuada no Irã. Em 80 mil poços analisados nos EUA, a principal conclusão do declínio das águas subterrâneas foi, além do uso doméstico, o enorme desperdício com o uso constante da água para a irrigação na agricultura.

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California Department of Water Resources
Se nenhuma medida urgente for tomada para frear a poluição dos rios, lagos, arroios, além do uso indiscriminado de agrotóxicos e pesticidas, a exploração excessiva de atividades socioeconômicas, crescimento populacional exagerado, somando-se o desperdício e a influência das mudanças climáticas, o Aquífero Guarani tenderá a diminuir sua produção e poderá levar à diminuição de suas águas, privando seu uso para futuras gerações.

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  1. Uma questão preocupante exposta didaticamente por um expertise. Bravíssimo, Sérgio. Francisco Gil Messias.

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  2. Importantes informações sobre o aquífero Guarani, Sérgio. E sobre a nossa controvertida legislação que confere aos estados da federação a dominialidade das águas subterrâneas no seu território. Parabéns pelo artigo e a oportunidade do tema abordado.

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