Bem que eu estava achando muito estranho o seu silêncio. E assim se passaram alguns anos. Mandei e-mails, liguei para os números, mas a...

Lúcia Sander, Querida!

lucia sander literatura paraibana
Bem que eu estava achando muito estranho o seu silêncio. E assim se passaram alguns anos. Mandei e-mails, liguei para os números, mas aqui e acolá, achava que estarias viajando com o Magdalena Project ou visitando Pedro, seu filho, em Hong Kong. Com a pandemia pelo meio, meus radares não me passavam segurança.

Somente ontem, depois de alguns anos sem notícias e aflita, lembrei de pesquisar no Google e para minha desolação lá estava uma Nota de Pesar. Lúcia virou estrela em 2021. Que sensação horrível esse delay. Saber da partida de uma amiga tão querida e importante, assim. Pelo Google. Sem mais notícias. E lá dizia a formalidade das notícias: “Lúcia foi professora no Departamento de Teoria Literária e Literatura e no Departamento de Artes Cênicas da UnB até 1998. Sander também dramaturga, atriz, performer e
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Lúcia Sander UDESC
tradutora. Por meio de seus artigos, livros e o que chamou de “crítica em performance” foi precursora dos estudos de gênero no Brasil no campo dos estudos literários.”

Conheci Lúcia em 1987, na UFPb, quando organizamos, as professoras Maria Vilani de Souza, Vitória Lima, Rosa Virginia Faraco, Clélia Pereira, Andrea Burity, Lucia Nobre e eu, o 1º Encontro Nacional Mulher & Literatura. De lá para cá foram muitos abraços e conversas. Depois, nos encontramos por aqui quando vinhas para alguma banca na pós e mostrava o seu trabalho que envolvia tanto uma reflexão crítica sobre a atuação de mulheres no teatro quanto a própria atuação. Desse trabalho conhecemos Ofélia Explica (trazia a personagem de Hamlet para a periferia carioca) e depois, com outras personagens do dramaturgo inglês. Ela era engraçadíssima no palco; versátil, talentosa, culta, estudiosa e generosa.

E quando aqui veio em 2005, por ocasião do 10º Seminário Nacional Mulher & Literatura, sentei junto com ela na Ponta do Cabo Branco e lhe falei dos meus planos de Doutorado: Minha paixão pelo filme As Horas, por Virginia Woolf e os temas da subjetividade feminina e minhas inquietações, e confusões nebulosas, sem saber bem por onde patinar ou mergulhar nos estudos. Num guardanapo, eu rabiscava ideias para Lúcia, e naquela troca de
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Lúcia Sander e Ana Adelaide
Acervo da autora
hieróglifos o meu projeto começava a se delinear. Publiquei esse guardanapo na minha tese de doutorado como parte do trabalho e numa homenagem a ela e aquele momento de como tudo começou.

Lúcia foi da minha Banca de Defesa do Doutorado – UFPe 2008, e não poderia ser diferente. Viu junto comigo a minha primeira faísca de texto, de tema, e de ação. E brilhantemente falou sobre o meu trabalho, discorrendo sobre a minha escrita não acadêmica, híbrida, e comentando sobre a minha “tagarelice crônica”, da minha recriação, e tríplice performance com as intertextualidades a que me propus. Obrigada Lúcia! A sua fala me garantiu enfrentar todo o resto. E quem já defendeu uma tese de doutorado, sabe do que estou falando.

Em 2016 quando lancei meus dois livros, Lúcia fez a apresentação escrita no livro (Prefácio) e oral, de Brincos, pra que te quero? no momento da festa na Fundação Casa José Américo. Fiquei em êxtase com as suas palavras impressas e ditas. Com a sua capacidade intelectual, literária e crítica, compreendi que tinha algo a expressar. Escreveu ela nos meus Brincos:

“Uma crônica pode ser uma divagação desinteressada e extremamente interessante, depende do ouvido, ou talvez da vida,
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de quem lê. Experimente, se já não sabe, a escrita de Ana Adelaide vai fazer com você o que faz por mim: um despertar inesperado e bem-vindo, uma lágrima, uma boa risada, uma mirada no espelho, um choque, um deslumbramento, um susto, uma estranha felicidade... Às vezes basta uma crônica.”

Obrigada Lúcia. Agora mais ainda, Obrigada!

No ano seguinte, 2017, fui lançar os livros em Brasília, e lá estava Lúcia, a me prestigiar e aplaudir. Saímos, tomamos cafés, e fomos assistir à Bagatelas (Peça da dramaturga americana Susan Glaspell, Triffles, traduzida e adaptada por Lúcia), peça essa que me abriu os olhos para tantas coisas pequeninas do mundo opressivo em que vivia/vive as mulheres. Sou e serei eternamente grata a essa pessoa linda; essa mulher tão importante para os estudos de gênero e principalmente para mim – uma inspiração.
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Ana Adelaide, Lúcia Sander e Clélia Brito Pereira Acervo da autora
Uma pessoa que, logo de início, as nossas almas se bateram e parecíamos amigas de infância. Pequena, mignon, charmosa, ágil, Clélia, nossa amiga, a chamava de “Piccola Notabile”.

Gostaria de ter as lindas palavras que me dedicou, mas no momento sou silêncio. Por isso, faço minha as palavras potentes que suas amigas queridas publicaram: “Nesse momento ser artista não é suficiente. Porque por mais que as palavras imensas ou poéticas venham à boca para dar algum alento, o coração, esse que sente tudo, sem fronteiras e filtros, devora tudo sem pudor, cuspindo fogo, revolta e tristeza!... Sua “Luz” revelou pergaminhos do mar morto artístico, assinando parte do melhor que me nutri e muitas como eu, do legado digno do feito de ser mulher!” Luciana Martuchelli, Juliana Zancanaroe Cia. Yinspiração Poéticas Contemporâneas - Solos Férteis - Brasil.

E como disse outra amiga numa carta homenagem: “Que a tua Ofélia te receba de braços abertos”! (Marisa Naspolini, Florianópolis, maio 2021).

Siga na luz, querida Lúcia.


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