Vê-se que o nosso Machado de Assis teve melhor sorte do que Greta Garbo. A célebre atriz sueca, como se sabe, acabou no Irajá, ba...

Feitiçaria do Bruxo? (ou como Machado de Assis, quem diria, acabou na Amazon)

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Vê-se que o nosso Machado de Assis teve melhor sorte do que Greta Garbo. A célebre atriz sueca, como se sabe, acabou no Irajá, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro, segundo o criativo título da exitosa peça teatral de Fernando Mello, dos anos 1970. Acabar no Irajá realmente não é um fim glorioso para ninguém que tenha sido um dia contemplado pelo sucesso e pela fama, desculpem-me os moradores do referido bairro, que, aliás, não conheço. Vai ver, com certeza tudo não passa de preconceito dos “inocentes do Leblon”, uma gente (não todos, claro) para quem o umbigo do mundo civilizado e glamoroso se situa na Zona Sul carioca. Não duvido que o Irajá possa ser um lugar tranquilo e agradável, longe do “barulho do mundo”, bom para se encerrar a vida e/ou a carreira.

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Irajá (Rio de Janeiro) GSView
O fato é que Machado (perdoem-me a falta de cerimônia) acabou na Amazon, como um recente sucesso de escritor latino-americano, através da tradução para o inglês de seu Memórias Póstumas de Brás Cubas. Quem diria, pois é, quem diria. E digo acabou apenas como força de expressão, já que os clássicos da literatura não acabam nunca. Pelo contrário: vão se renovando e remoçando a cada dia, como sabemos. Destino, como se vê, bem melhor que o da atriz da peça.

E como aconteceu esse, digamos, “milagre”? Aconteceu como costumam acontecer os milagres em geral (que existem), ou seja, sem premeditação de ninguém e de forma quase “natural”. Conta-se que a pesquisadora e tradutora norte-americana Flora Thomson-DeVeaux, uma jovem formada em espanhol e português na Universidade de
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Flora Thomson-DeVeaux
Paula Scarpin
Princeton, mas radicada no Rio de Janeiro, teria escolhido o autor brasileiro como objeto de estudo de sua tese de doutorado e daí teria depois surgido a ideia de traduzir as Memórias, livro da predileção da doutoranda. Concluída a tradução, ela foi enviada para uma editora que a publicou e de repente os insuspeitados leitores de língua inglesa, através da Amazon, fizeram-na chegar à lista dos mais vendidos. Milagre? Certamente. Pois há muita obra boa em inglês que não faz sucesso de público na Amazon. Mas é óbvio que a reconhecida qualidade literária do nosso “bruxo” contribuiu – e muito – para o inesperado êxito. Ou alguém duvida?

Sabe-se que esse reconhecimento internacional de Machado de Assis já vem ocorrendo, aos poucos, há algum tempo. E também que existem outras traduções para o inglês de livros do brasileiro, inclusive das próprias Memórias. Mas o fato é que, até agora, nenhuma dessas traduções anteriores tinha “bombado” como best-seller, no bom sentido da palavra, como
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ocorre atualmente com o trabalho de Flora Thompson-DeVeaux. O celebrado e já falecido crítico literário Harold Bloom, autoridade mundial na área, já tinha colocado Machado entre os cem mais importantes escritores de todos os tempos. E sobre ele, escreveu: “Machado de Assis é uma espécie de milagre, mais uma demonstração da autonomia do gênio literário, quanto a fatores como tempo e lugar, política e religião, e todo tipo de contextualização que supostamente produz a determinação dos talentos humanos”. Como se vê, uma consagração. E insuspeita, pois vinda de um estrangeiro cosmopolita e sabedor das coisas.

Ó Machado, quantas surpresas mais tu vais aprontar para os teus irmãos brasileiros, normalmente vítimas do “complexo de vira-lata” (obrigado, Nélson Rodrigues), que tanto mal tem feito à autoestima nacional? Provavelmente muitas, imagino, já que és, como todo gênio, inesgotável.

Pergunto-me se Dom Casmurro teria feito esse sucesso todo. Quem pode saber? Esses mistérios da vida e da literatura não podem ser desvendados. Sobre eles, podemos fazer apenas conjecturas. Como leitor comum, penso que Dom Casmurro, no conteúdo e na forma, possui um apelo
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mais universal que Brás Cubas, mas isto é opinião de um leigo – e de um leigo mais afeito às narrativas intimistas, que pretendem mergulhar mais fundo na chamada natureza humana. Flaubert, com Madame Bovary, Tolstói, com Ana Karênina, e Eça de Queiroz, com O primo Basílio, escreveram sobre adultérios femininos consumados, mas Machado de Assis tratou magistralmente de uma hipótese de adultério, de uma mera desconfiança do marido supostamente traído, deixando para os leitores um enigma a decifrar. Esta sutileza o distingue dos outros três, sem desmerecê-los, claro.

Acompanhemos, pois, com atenção a trajetória internacional desse brasileiro genial, orgulho da raça.

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  1. Anônimo1/7/24 07:49

    Obrigado, Frutuoso.

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  2. Gil Messias é um mestre da escrita. Cirúrgico, vai com precisão onde sua pena chega para desvendar verdades escondidas . Parabéns

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  3. Anônimo2/7/24 06:18

    Obrigado, Sérgio.

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  4. Anônimo2/7/24 06:19

    Obrigado, Leo.

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  5. Anônimo2/7/24 06:19

    Obrigado, Milton.

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  6. Anônimo2/7/24 06:20

    Obrigado, Raniery.

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  7. Anônimo2/7/24 06:20

    Obrigado, Raniery.

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  8. Anônimo2/7/24 06:20

    Obrigado, Paiva.

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